Jesus usava parábolas e certamente como eu, você não deve ter entendido uma porção delas. Os discípulos ficaram boiando diversas vezes, até que Jesus explicasse o sentido de suas palavras. Duas parábolas me despertaram para uma nova vida de oração na noite passada. O amigo importuno (Lucas 11;5) e do juiz iníquo (Lucas 18;1)
Da mesma forma que a fome que sinto me impulsiona a abrir a geladeira, desconfio que existe algo dentro de mim que precisa tomar a mesma decisão.
Em minha infância tive um amigo e o seu nome era Rafael, mas minha família o apelidou de “chato”. Tudo que ele ia fazer me convidava para fazer junto. Quando a campainha tocava nos momentos mais importunos todos se olhavam e diziam: só pode ser o chato!
Eu fazia parte da vida daquele garoto de uma forma muito forte, e ele não pensava seu mundo sozinho, porque eu fazia parte da sua história de vida. Às vezes ele tocava uma vez a campainha, e pelas frestas da cortina me escondia, esperando que ele fosse embora, mas era pura ilusão. Ele permanecia ali, até o momento em que eu fosse ao seu encontro. Ele tinha somente a mim. Não tinha muitos amigos, não lembro do seu pai, e sua vô havia morrido recentemente. Acordei essa manhã me descobrindo um tanto gente boa com Deus, e isso me incomodou.
Os cegos tocavam a campainha sem medo, dizendo: Jesus! Tem misericórdia de nós! E Jesus saia das frestas do lugar que estava para mudar a história de vida daquelas pessoas. De outra sorte uma mulher grega conseguiu descobrir o paradeiro de Jesus e apertou a campainha, até que pudesse comer as migalhas do pão vivo chamado Jesus. As crianças queriam se aproximar de Jesus, e os apóstolos “gente muito boa” queriam deixar Jesus em paz, mas o mestre abriu a porta para aquelas crianças, dizendo que o reino dos céus era semelhante a eles.
Existe algo de humilhante em tocar a campainha mais de uma vez, e confesso que sempre tive medo de incomodar as pessoas. Talvez por isso não sou um incômodo nas portas do céu. Não existem palmas, nem campainhas, nem gritos que ressoem do meu ser às portas de Deus, porque não quero incomodá-lo, e isso me leva a entender que sou mais apóstolo do que criança.
Na hora de falar sobre oração, Jesus falou sobre ser chato. O chato seria a minha parábola sobre um relacionamento sincero e verdadeiro com Deus, porque o “chato” fazia parte da minha vida em todos os momentos. O meu amigo era importuno porque estava tão envolvido comigo que deixou os protocolos e os medos, que nos fazem ser gente boa, para ser parte da minha vida, para ser meu irmão.
Eu vejo homens importunos ao encalço de Jesus. Homens chatos impedindo Jesus de descansar um pouco. Homens que não perderam a oportunidade de apertar a campainha e ficar esperando até que Jesus abrisse a porta da vida.
Acho que minha relação com Deus foi mais profissional e humana do que de uma amizade verdadeira. Aquela coisa de não ficar enchendo o saco, nem incomodando toda hora.
Compreendi nessa manhã que essa relação diplomática contemporânea nos leva a morrer nas tempestades da vida, porque não queremos incomodar Jesus que dorme no porão.
Somente quem rompe com as diplomacias rituais, tem coragem para ter uma relação de dependência e de amor com o divino. Ser chato quer dizer ser íntimo. Ser importuno é deixar de ser uma visita, para ser um integrante da família.
O meu amigo Rafael se mudou de cidade e em um determinado dia há mais de quinze anos atrás. Demos um abraço apertando e ele virou às costas e nunca mais nos vimos. Eu senti falta da importunação do meu amigo. As campainhas não tocavam mais pelas manhãs de domingo. Na hora do almoço não havia ninguém batendo palma à frente do portão de casa.
Acho que Deus sente falta também quando crescemos e partimos. Quando deixamos de ser crianças cheias de fé, para sermos teólogos discutindo pontos de vista religiosos.
Quando nossa inocência ainda permitia ficar batendo a campainha nos horários mais imprevisíveis e desapropriados em frente às portas do céu. Quando o homem ainda tinha a infantilidade de acreditar no impossível. Essa humilhação de aceitar até mesmo as migalhas que caem da mesa, de trombar com uma multidão para tocar nas vestes do Cristo, e de escalar uma árvore para ver o Filho de Deus passar somente quem é chato e importuno é capaz de fazer.
Quando Deus for o motivo da minha alegria e o depósito da minha tristeza. Quando ele for o motivo do meu amar, e o desejo da minha imaginação. Quando nada mais fizer sentido na minha vida se ele não estiver participando. Quando nem sequer minhas refeições conseguir fazer sem agradecer a Ele. Quando o sono não chegar sem antes me ajoelhar diante Dele. Quando jamais conseguir entrar em campo sem que ele me acompanhe, e minha vida perder o sentido se não for para Ele, então estarei sendo chato o suficiente para ser intimo.
O desafio do homem é deixar de ser um apóstolo para voltar a ser uma criança, pelo simples fato que o reino se parece com elas e não com eles.