Para Jesus convém ao homem perder
um dos seus membros a usa-los de forma errada. De fato, em Deus todos se tornam
“caolhos” e “manetas”, visto que muitas atitudes, crenças e posturas acabam
sendo abandonadas na medida em que se caminha em direção a Deus.
Ninguém herda o reino de Deus sem
estar mutilado da sua própria natureza.
Neste momento do Sermão da Montanha
estava Jesus dizendo sobre aqueles que enxergaram seus defeitos e ante esta
descoberta escolhem limitar sua existência, do que estar diante da iminência da
sua fraqueza. Ele estava falando sobre alguém que foi tomado pela consciência
de seu próprio mal e da sua incapacidade humana em lidar com esta realidade.
A verdadeira consciência surge
quando o homem alcança a compreensão profunda e simples do que se pode, mas que
na verdade não se deve. É o conhecimento intimo da linha tênue que separa o
licito do ilícito. Não é uma regra estabelecida para todos, mas uma consciência
individual que floresce intimamente dentro de cada ser humano. De fato, todo
homem precisa saber de quem, por que e o que deve se afastar, arrancar e
eliminar em si mesmo.
Assim, a vida em Cristo não é uma
fábrica de comportamentos embutidos em alta escala, mas uma reflexão interior e
pessoal daquilo que é bom, perfeito e agradável para cada um. De fato, o homem
pode todas as coisas naquele que o fortalece. Ele pode fazer e realizar tudo em
Deus, e na consciência que nele existe. Aquilo, no entanto, que fere a sobriedade
e a serenidade do ser na sua relação intima com Deus e com as pessoas é
suficiente para ser evitada, banida, arrancada.
O fato de a religião ser mais
proibitiva do que ativa ao senso humano não é por significativa maldade, mas
por severa proteção. A religião parte do principio que é melhor proibir uma
criança mexer numa faca do que ensina-la a manusear o instrumento.
Logo, no desejo de evitar o erro,
se proíbe qualquer possibilidade de acerto.
De fato, o mundo religioso se
tornou escravo do comportamento sem consciência. A religião é fria, não porque
é repetitiva, mas porque um sistema não gera individualidades. Tudo que é
envolvido pelo sistema é fabricado, é produzido, é embalado. A religião é uma indústria.
Ela gera de fora para dentro, pelo viés do comportamento exterior, não de
dentro para fora através da consciência de cada ser.
Então, o mundo está cego, mas não é
por causa dos seus erros, mas pelos medos. O filho pródigo é um bom exemplo. Ele
rompeu com as cercas do comportamento e na sua miséria descobriu sua
consciência. Quando esteve diante do erro, foi quando fez seu maior acerto. Foi
quando percebeu sua capacidade de errar que se descortinou toda sua vontade de
acertar.
Enriquecido pelas suas perdas, voltou
consciente do lugar que deveria permanecer para sempre. Os erros e os defeitos
nem sempre são tão maléficos a vida do homem. Jesus jamais impediu alguém de
atravessar as fronteiras do certo justamente por causa dessa condição
pedagógica que o arrependimento pode florescer. Um homem que erra e é tomado
pela consciência do seu erro será para sempre alguém muito mais envolvido pela
Graça e pelo amor de Deus do que aquele que sempre se orgulhou no bom comportamento
ético.
O Pai pode impedir a saída de um
filho mutilando sua capacidade de caminhar, ou então, arrancar um dos seus
olhos, mas não é isso que acontece em Deus. O pai do pródigo se despede ansioso
que seu próprio filho chegue sozinho a forte convicção daquilo que ele mesmo precisa
arrancar da sua vida.
E foi bem longe que o filho se
tornou de fato filho. Foi bem distante que descobriu seu próprio coração e suas
mais profundas necessidades. Deus não limita fronteiras físicas, legalistas ou
existenciais, mas liberta, e isso faz para cada um possa compreender a si mesmo
a partir de suas próprias experiências. Deus permite as idas e vindas, porque a
somente um homem livre pode ter uma opinião bem definida em sua própria mente.
(Rm 14;5b)
Conhecendo a si mesmo, está o homem
apto a arrancar aquilo que é necessário. Ninguém fará isso por ele, visto que
enxergou onde estão seus maiores vazios.
Então, o filho mais velho ficou não
porque estava livre para escolher, mas porque as cercas do comportamento lhe
impediram. Ficou em casa não por causa da sua consciência de filho, mas porque
teve medo de perder regalias do sistema que privilegia aquilo que é ético e
moral. O mais novo tomara posse de seus bens pela força da sua maldade. O mais
velho tentara fazer o mesmo barganhando sua suposta bondade.
O homem religioso pode ser o mais
comportado cidadão, mas está limitado nas fronteiras humanas do legalismo e das
aparências. Estará sempre caminhando na beira das farpas dos arames, orgulhoso
da sua própria incapacidade de viver livre.
De fato, não beber em demasia, respeitar
seu cônjuge e ser honesto nos relacionamentos é um comportamento maravilhoso, no
entanto, se todas essas atividades são esforços exteriores, sem antes ser a
mais profunda natureza interior, tudo é apenas um disfarce, uma hipocrisia, um
jogo.
É importante saber que a liberdade
em Cristo não é para todos, posto que, viver em liberdade é muito mais difícil
que viver preso. Para muitos é melhor a LEI que aprisiona e diz não, do que a GRAÇA
que absolve e diz sim.
O filho mais jovem não é apologia
para o abandono das regras e leis, mas apenas o vislumbre divino que o
comportamento não define caráter, nem verdade. O comportamento, quando não
gerado pela consciência se transforma apenas numa formula de manipular pessoas.
Tudo que é bom acontece antes no coração para depois viver na natureza das
atitudes.
Por isso, “Bem aventurado é o homem
que não se condena naquilo que aprova. (Rm 14;22)