Dentre todos os problemas que
permearam minha existência, descobrir quem verdadeiramente sou, foi a mais
difícil. As outras descobertas foram mais fáceis, o que não as torna menores, é
logico. Na frente do espelho costumo
encolher a barriga, estufar o peito, arrumar o cabelo. Grande parte da mentira
interior que se desenvolveu em meu ser, está relacionada a espiritualidade,
porque quanto mais se anseia pelos atributos morais da religião, mais poses é
necessário ensaiar.
A Verdade promove tudo que é puro,
gracioso e en-graçado. Ela aflora de dentro para fora sendo o mais singelo e
sincero reflexo daquilo que é eterno. Todavia, toda bondade desprovida de
verdade, não passa da melhor ferramenta humana, usada exteriormente por um,
para atingir interiormente o outro. Neste mundo tão religioso, a coisa mais fácil
é ser santo. Qualquer um pode alcançar o ápice espiritual com uma boa maquiagem
de palavras e conceitos. Sem palavrões, sem ritmos carnavalescos, sem novelas,
sem jogos, nem bebidas. Com olhos fechados, orações prolongadas, dízimos
“pagos”, olhos lacrimejantes, votos cumpridos.
O espirito religioso sobe os
degraus da escada da penha pela manhã e a tarde passeia na rua vinte e cinco de
março. A religião em minha vida nada mais foi do que este calçadão de valores
externos que promovem adereços perfeitos para maquiar o que é profano e
torna-lo “santo”. No entanto, estas falsificações de caráter que a religião me
permitiu viver aprisionaram meu entendimento em julgamentos externos, nunca
internos. Sombreado por boas obras e louvores decorados, por sorrisos ungidos e
em trabalhos voluntários, passei a ter um conceito sobre mim mesmo totalmente
errado, pasmem, muito mais, do que no meu período de profano desmistificado. Esta
distribuição de todos meus bens exteriores redundou em uma cegueira das minhas
maldades interiores. Enegrecido pelo desejo de parecer bom, tornei-me mais
perverso do que o mau, pelo simples fato de que, todo religioso é um
manipulador inteligente de conceitos e verdades próprias. Diante do espelho da Verdade, um confronto. A
religião estufava meu ego, mas não combinava minhas roupas. Nada é mais brega
do que não combinar coração e espírito.
Passado alguns anos rejeito a
tentação de “usar” o bem, o outro, as boas obras, a Palavra, o bom testemunho
como um feitiço para impressionar as pessoas. Simplesmente sou o mais errante
dos homens que conheço. Sou uma carta viva cheia de erros gramaticais, no
entanto, tenho prestado toda a atenção nas concordâncias com o Verbo. Minhas orações
tem se repetido constantemente em apenas um pedido, a saber, o perdão. Sou
profundamente dependente da graça de um favor totalmente imerecido promovido
por Jesus. A notoriedade da minha imperfeição redunda em julgamento para o
mundo dos “santos religiosos”, mas para mim, em um profundo senso de
dependência de Deus. Não vivo para chamar a atenção do outro, mas a felicidade
de ser descoberto por Deus e amado por Ele. Desejo o silêncio interior do
anonimato, a fazer sucesso com falsificações religiosas que até chamam a
atenção dos neófitos, mas ferem a Verdade e o Verbo de Deus.
Se afaste de mim a doença do jovem
rico, que obedece a religião por toda a vida, mas é incapaz de caminhar com
Jesus. Não quero ser o mais obediente religioso. Desejo ser o mais sincero
filho. Enquanto enxergar o “miserável homem que sou”, então estarei salvo de
mim mesmo. Sei que este olhar para meu
umbigo é verdadeiro, porque nele encontro defeitos, imbecilidades, vaidades e
arrogâncias. Enxergo becos, vielas, misérias e pecados. Se um dia, estas coisas
sumirem da minha vista, não quer dizer que não existam, certamente apenas
fiquei cego a ponto de não as enxergar mais.
A minha religião é não possuir uma
religião. Minha religião é a coragem de estar e ser des-coberto pelo Espírito
Santo de Deus, que me consola, confronta, e que é totalmente suficiente.
Enquanto viver, ninguém será meu telhado nem meu chão, tampouco, alguém
carregará a minha cruz. Serei errante, jamais hipócrita. Terei mestres, jamais
gurus. Serei um peregrino, nunca um morador.
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